De vez em quando me encontro afundado numa rede que não é minha, suspenso acima do chão de uma casa que não me pertence, balançando na maresia da praia que pertence a todo mundo. De vez em quando, encontro os olhos de uma companhia que, como eu, está como um estranho convivendo nessa casa de ninguém de nós, e me sinto compelido a confortá-la, com uma vontade que também não é minha.
Meu estômago se retorce e eu entonteço, escondendo a cara atrás da renda, me castigando com a compressão dos punhos segurando firme o pano que me arranha. Será que ela estava pensando a mesma coisa, em falar comigo? Será que sou tão sozinho, e também outras pessoas, porque é difícil ter couragem de quebrar num só impulso a vidraça que nos impede de iniciar uma interação? Um saco. É o que se cria ao redor da minha cabeça quando penso "eu provavelmente deveria dizer olá". Mas sou um estranho em uma terra estrangeira, e não sei o vocabulário adequado, ou a postura mais formal. É, talvez não tenhamos nascido pra nos amigarmos.
Respiro fundo. Espio por cima da rede que usei de muro. Os olhos dela encontram os meus, é como um inseto caindo na retina, olhamos pra outro lugar. O primeiro que sirva de desculpa. Tensão sexual. Merda. Que que eu tô fazendo aqui? Tolice da minha parte pensar que alguém iria querer conversar. Ainda mais se eu não me contenho nem pra fugir de um contato visual. Se bem que continuar olhando poderia parecer... não sei, estranho.
Ah, quem liga? Respiro aliviado. Escorrego o pé pra fora, pra pegar embalo. Quando formos forçados, num jogo de tabuleiro, de baralho, numa piada social fácil de contar, no meio de um sorriso desacanhado, ela vai se encantar. Ou só revelar sua fascinação pela harmonia na qual nossas posições se encontram. Nos juntaremos pra debochar dos donos da casa, e nos sentiremos a vontade pra sair de nossas cascas. Ocasionalmente, será natural o nosso abraço.
Olho pro portão. Um carro estacionando. Ela vai elétrica até ali, num pique complicado. O que está acontecendo? Ah, sim. São seus pais. Ela nem olha mais pra trás. Vai ir embora. Mergulho. Afundo. Sumo. Vou embora.
"Tchau", ouço ela dizer, olhos brilhantes num sorriso implícito a me agradecer, e um aceno de desculpa pelo abandono. "Tchau", sorrio de volta.
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